As Cem Estações da Alma

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Dentre os maiores desafios dos buscadores que adentram um Caminho Espiritual encontra-se a falta de referência relacionada ao estágio em que o aprendiz se encontra e para onde está avançando. Sendo um processo interior novo e com muitos obstáculos, ora se tem a percepção de já ter percorrido uma boa parte do caminho, ora tem-se a impressão de estagnar, ou patinar, sem sair do “lugar”, e quando não, surge a sensação de nem ter saído da estaca zero.

Para descrever a complexidade de uma jornada iniciática muitas são as metáforas utilizadas pelos Sábios na tentativa de ilustrar os estágios que compreendem todo esse longo Caminho. Alguns deram o nome de Câmaras, outros chamaram de Moradas, e outros utilizaram os Degraus. Independentemente dos símbolos utilizados em seus respectivos contextos históricos e culturais, todos possuíam o mesmo propósito, servir de orientação, como um “mapa geográfico”, a fim de indicar pontos de referência e estágios de todo o Caminho que compreende a Via completa da Realização Espiritual.

As Cem Estações da Alma é um tratado clássico do sufismo: a via mística, a tradição iniciática (espiritual e esotérica) presente no interior da religião muçulmana desde a sua fundação pelo profeta Maomé (Mohamed), transmitida desde então de geração a geração e que chegou até os dias de hoje por meio da literatura e, especialmente, por meio das várias confrarias sufis espalhadas especialmente nos países muçulmanos, mas também em muitos países do mundo todo.

Nesta obra clássica, inédita na língua portuguesa, o grande mestre sufi Abdullah Ansari de Herat (1006-1089), conhecido pelo talento de conciliar o raciocínio lógico e analítico com seu estilo poético e literário, utiliza pela primeira vez em língua persa o termo “Estações” para descrever de forma detalhada cada “campo”, cada “estágio” que compreende a estrada, a via que leva o buscador de Deus a realização de sua Meta.

Como um processo sequencial e gradativo, cada Estação surge da Estação anterior, e ao dominar a Estação na qual se está, a pessoa avança para a próxima, sendo uma Estação por vez até chegar à Estação final. Nas palavras dele: “As Estações da Alma são pontos de parada que são visitados por aqueles que estão na jornada em direção a Deus, até que o servo, tendo passado (e ele será ajudado a passar) por esses degraus ascendentes, estação por estação, tem a honra de ser recebido na proximidade de Deus. Ora, o servo passa de um ponto de parada a outro até chegar ao ponto de parada final, onde esse ponto de parada final é para ele o campo da proximidade (a Deus). A proximidade que ele deixa para trás é apenas um “estágio de passagem”, enquanto essa (proximidade) onde ele se encontra é a “estação” (espiritual permanente) – como as estações dos anjos nos céus…” – Abdullah Ansari de Herat
Ansari alcançou tamanha inspiração e profundidade espiritual que suas obras se tornaram referência para todas as gerações de sufis posteriores, sendo juntamente com as obras de Jilani, Al-Ghazali e Ibn Arabi, alguns dos muitos pilares desta Grande Tradição Espiritual.

Texto: Kleiton Fontes – Revisão: Américo Sommerman
Recorte Literário: Marcelo Paganotti